“Meu maior sonho é chegar à elite do futebol brasileiro e internacional, e, se possível, à Seleção Brasileira, para ser o primeiro Terena a alcançar esse patamar.” A frase resume a trajetória e a determinação de Márcio Vinicios Pereira da Silva, de 17 anos, jovem atleta indígena da Aldeia Bananal, localizada no município de Aquidauana (MS). Conhecido apenas como Vini, ele carrega no peito o orgulho de representar a Nação Terena e o desejo de levar o nome do seu povo para os grandes gramados do Brasil.
A história de Vini começa no campo de terra batida da aldeia onde cresceu. “Minha paixão pelo futebol é a minha primeira memória. Desde pequeno, eu observava os mais velhos jogando bola, e aquele era o meu mundo”, relembra. Na infância, a bola era feita de meia ou de plástico, mas o significado era o mesmo: união e pertencimento. “Eu sentia que o campo era o único lugar onde o corpo e a alma podiam se expressar livremente. A bola parecia obedecer aos meus pés.”
O talento natural logo se destacou nos torneios locais e nas partidas disputadas entre as comunidades. Ainda adolescente, Vini passou a se dedicar com mais seriedade ao esporte, enxergando no futebol um caminho possível para transformar a própria vida e, ao mesmo tempo, representar o seu povo. O momento decisivo veio durante um torneio interaldeias. “Eu tinha uns 15 anos. Vencemos a final e, no meio daquela euforia, senti o peso da minha ação. Eu vi que o futebol era a ponte que poderia me levar para fora da aldeia e me fazer voltar como alguém capaz de inspirar e ajudar.”
Foi nessa época que ele percebeu que o sonho não era apenas individual. “Decidi que lutar para ser o melhor em campo não era só por mim, mas para carregar o sonho da minha Nação”, conta. A partir dali, a busca por oportunidades se tornou prioridade.
A mudança para Campo Grande foi o divisor de águas. Longe da família e da vida comunitária, Vini enfrentou dificuldades, mas também deu os primeiros passos rumo ao futebol profissional. “O maior desafio foi a saudade profunda e a solidão. Deixar o apoio constante da família e dos anciãos foi um choque. Também enfrentei o preconceito e a necessidade de me provar. Tive que lidar com olhares desconfiados e comentários depreciativos”, relata.
Apesar das adversidades, ele manteve o foco. “A dificuldade financeira e a adaptação aos treinos de alto nível exigiram disciplina extrema, mas o desejo de representar meu povo sempre me deu força.” Foi durante um campeonato indígena que um olheiro notou seu desempenho e o convidou para um teste no Esporte Clube Campo Grande. “Eu estava nervoso, mas decidi jogar com a garra da minha aldeia. O clube viu meu potencial, minha correria e minha técnica. Essa oportunidade não é só um contrato; é a minha libertação.”
Mais do que um sonho pessoal, a trajetória de Vini carrega uma dimensão coletiva. “Para mim, o futebol é o meu propósito, a minha luta e a minha oração. É onde eu me sinto mais Terena”, explica. Ele enxerga o esporte como uma forma de dar visibilidade à cultura indígena e de quebrar estereótipos. “Para a minha comunidade, o futebol representa visibilidade, força e resistência. É a prova de que nosso povo tem talentos que vão além das terras, que podemos competir no ‘mundo de fora’ sem perder nossa identidade. Cada partida minha é um grito silencioso de orgulho Terena.”
Os valores aprendidos na aldeia continuam presentes em cada passo da carreira. “Levo três valores no peito: a coletividade, a resiliência e a humildade”, afirma. Segundo ele, esses princípios são o alicerce de sua formação dentro e fora de campo. “Ninguém vence sozinho. Eu sou um guerreiro Terena em campo, mas sempre jogo pelo time, pelo coletivo, como aprendi a viver na aldeia. A natureza nos ensina a resistir, e a humildade me mantém focado, respeitando o adversário e valorizando cada passo da jornada.”
O apoio da família e da comunidade foi fundamental desde o início. “Eles me deram a maior força e a maior responsabilidade. Minha família e a aldeia inteira me abençoaram. Houve orgulho e alguma preocupação com os desafios da cidade, mas a palavra de ordem foi de apoio.” Vini carrega até hoje a frase que ouviu antes de partir: “Corre atrás do objetivo, o importante é isso.”
Com o amadurecimento, vieram também as lições do esporte. “O futebol me ensinou que o talento só te leva até a metade do caminho; a disciplina e a resiliência te levam até o fim. Me ensinou a levantar a cabeça após a derrota, a valorizar o sacrifício e a entender que o sucesso não se mede apenas pelo placar, mas pelo quanto você se esforçou para chegar lá.”
Dentro de campo, ele se inspira em jogadores que vieram de origens humildes e que se destacaram sem perder a essência. Fora das quatro linhas, busca motivação nas lideranças e anciãos da própria comunidade. “Minha maior inspiração é a força do meu povo, representada pelos anciãos e líderes Terena, que me ensinaram a lutar pela nossa cultura e a ser honesto com a minha origem.”
A caminhada ainda está em seu início, mas Vini já entende o tamanho da missão que carrega. Para ele, o sonho de alcançar o futebol profissional ultrapassa as barreiras individuais e se transforma em símbolo de resistência e esperança. “Eu gostaria que o povo Terena sentisse orgulho inabalável, mas, acima de tudo, esperança. Que cada criança e jovem, ao me ver em campo, entenda que não há barreira que a força e a determinação de um Terena não possam superar.”
Entre o campo de terra batida da aldeia e os gramados da capital, Vini aprendeu que o futebol é mais do que um jogo — é um instrumento de transformação e pertencimento. “A nossa cultura é a nossa maior força”, resume. É essa força que o impulsiona a seguir correndo atrás da bola, dos sonhos e de um futuro onde o nome Terena ecoe em cada vitória conquistada dentro de campo.