Por volta de 2015, o campo-grandense Victor Zani decidiu que era hora de viver uma nova fase na sua relação com o esporte. “Sempre pratiquei esportes a minha vida toda, desde a infância na escola. Aquele ano foi especial, porque eu queria viver um novo momento, principalmente em relação ao esporte. Queria algo que fosse mais sério, mais intenso do que jogar um futebolzinho com os amigos três vezes por semana”.
Foi nesse contexto que ele encontrou no futebol americano e no flag football o espaço que procurava. Desde então, se tornou um nome atuante nas duas modalidades: como atleta e também como árbitro, cargo que assumiu por interesse em compreender ainda mais o jogo. “Eu queria me envolver mais com o esporte do que somente jogar. Queria entender mais e me aprofundar, e a arbitragem veio naturalmente logo em seguida. Tanto pro meu crescimento como atleta, mas como uma possibilidade de ensinar e ser um facilitador também”.
Segundo Zani, o envolvimento com a arbitragem no início também respondia a uma necessidade do cenário local. “Hoje nós temos um número grande de árbitros, mas há 10 anos era bem menos”.
Essa evolução do esporte no estado e no país é um ponto constante na fala do jogador. Para ele, a modalidade tem avançado consideravelmente. “Esses são os esportes que mais crescem no Brasil, e hoje o nosso país é o quarto maior consumidor de futebol americano no mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos, do México e da China”.
Zani também destaca o protagonismo sul-mato-grossense no cenário nacional. “Aqui no estado, nós sempre fomos referência dentro do cenário nacional. O futebol americano do estado já figurou entre os maiores anos atrás, competiu com muita gente grande e importante. Já tivemos até cinco times simultâneos, campeonatos estaduais. Embora os maiores feitos sejam dois títulos de vice-campeonato, sempre foi feito um trabalho bem sólido que permitiu que competíssemos por anos, desde 2008”.
Apesar da atual ausência de times atuantes no estado, ele acredita que a retomada está próxima. “Hoje infelizmente não temos mais nenhum time no estado, mas pelo que eu acompanho de amigos e colegas, devemos voltar ao cenário nacional em breve”.
Enquanto isso, o flag football segue como uma potência estadual. “Já tem muitos anos que a gente domina o cenário nacional. O Predadores, pelo masculino, foi campeão brasileiro duas vezes, e o Cobrarés, pelo feminino, campeãs nacionais por quatro vezes. Isso falando da equipe, mas o MS é um celeiro de talentos individuais de dar inveja a qualquer outro estado”.
Ele lembra com orgulho dos nomes que integram a elite do esporte nacional. “Diversos jogadores com passagem pela Seleção Brasileira, Seleção do Centro-Oeste, Seleção do Campeonato Paulista. Hoje as melhores jogadoras da seleção brasileira são atletas do MS também, a Taísa Alencar e a Milena Ajiki”.
Com atuação tanto no futebol americano quanto no flag, Victor observa as duas modalidades como complementares. “O futebol americano é maravilhoso porque é muito dinâmico, mas o flag football consegue ser infinitamente dinâmico. Os dois esportes se complementam, mas são esportes diferentes. Ou seja, eles não se substituem. Pra amar um, não precisa odiar o outro”.
Ao longo dos anos, Zani acumulou experiências marcantes como atleta. “Acho que os principais para mim foram um jogo contra a equipe de Dourados em 2016, que foi meu primeiro jogo como quarterback titular e joguei ao lado do meu irmão mais novo. O nosso jogo de estreia da temporada 2022 em Sorocaba também. E no flag, lembro com muito carinho dos jogos do Campeonato do Centro-Oeste desse mesmo ano, porque foi um time que nós montamos totalmente do zero, e em menos de seis meses estávamos entre os melhores do CO”.
Um dos momentos mais significativos aconteceu em 2023. “Acho que o mais inesquecível foi jogando pelo meu time atual, o Spartans de São Paulo, nas quartas de final contra o América de MG. Um jogo muito difícil, chuva, frio, e eu tive a felicidade de fazer o touchdown da virada, nos últimos segundos de jogo”.
O comprometimento exigido para alcançar esse nível é alto. Zani detalha a rotina de treinos com precisão. “A preparação física é intensa, exige muita disciplina e dedicação. Exige uma periodização de treino que vai de janeiro a dezembro, academia no mínimo quatro vezes por semana e treinos de campo ao menos duas vezes por semana”.
Ele também fala sobre a preparação mental. “Gosto de estudar o meu adversário pra entender como ele pensa e estar um passo à frente dele. Mas o principal pra mim é pensar com calma e focar em fazer o meu melhor. Aquilo ali é a minha realidade de todos os dias há anos, e eu sei o que estou fazendo. Não precisa reinventar a roda, é só fazer o que eu sei”.
No caso da arbitragem, o foco é outro. “Pra arbitragem é até mais simples essa parte mental. A maioria das vezes a gente até conhece muitos dos atletas em campo, e o foco é sempre orientar e ser justo, e punir só o que for realmente necessário. Ser um facilitador da regra e deixar o show para quem tá em campo”.
Conciliar os papéis de árbitro e jogador não é simples, especialmente pela questão das datas e dos vínculos dentro do cenário esportivo. “Hoje o número de jogos e competições é muito maior, então conciliar um final de semana de jogo com um de arbitragem é algo difícil. E por último e mais importante, administrar a relação entre atleta, dirigente, árbitro, colega ou amigo”.
Para Zani, é essencial preservar a credibilidade. “Desde muito tempo os árbitros tinham ou tiveram ou têm alguma relação com algum clube ou conhecem outros jogadores e treinadores. Então tem que separar muito bem as coisas, e o mais importante: deixar isso muito claro para todas as equipes, pra não abrir margem pra dúvidas”. Ele cita um ensinamento importante que ouviu de uma árbitra renomada: “A credibilidade é o nosso bem mais precioso, jamais coloque-a em risco”.
Com anos de experiência, ele já participou de diversos eventos nacionais. “Jogo no cenário nacional desde 2015 e apito no cenário nacional desde 2017. Tô sem apitar já tem três anos, acabei focando mais na carreira de jogador e dei mais prioridade a isso. Mas já apitei muitos jogos aqui e em Goiânia também”.
Questionado sobre o que falta para as modalidades ganharem mais destaque, Zani é direto: “Investimento. Os atletas e clubes daqui são consolidados no cenário nacional do esporte que mais cresce no Brasil há muito tempo. A gente é bom nisso, estamos prontos pra fazer o estado ter um esporte coletivo de elite. Traz alegria e enche estádio. Só falta oportunidade de mostrar isso à sociedade”.
Aos que pensam em começar no esporte, ele deixa uma mensagem simples, mas contundente. “Comece logo, quanto antes você começar melhor. É muito mais legal e divertido do que você pensa, mas também é muito mais difícil do que parece. Mas vale a pena, cada segundo vale muito a pena”.