Aos 14 anos, Kengerly Nailhet Reyes Fuentes carrega uma rotina dividida entre a escola, o atletismo e o vôlei. Natural da Venezuela, ela chegou a Campo Grande, Mato Grosso do Sul, como refugiada com apenas 10 anos, e desde então vem construindo uma trajetória esportiva a partir de uma rotina que mistura esforço, aprendizado e persistência.
A vinda para o Brasil aconteceu no final de 2020. A jovem relembra a longa jornada com precisão. “Foi uma longa viagem de ônibus de 6 dias. Saí no dia 20 de dezembro de 2020 e cheguei aqui em Campo Grande no dia 26 de dezembro de 2020”, conta. A adaptação ao novo país foi marcada pela saudade. “Deixei todos os meus amigos na Venezuela. Fiquei triste.” Além disso, ela não conhecia o idioma: “Eu não sabia nada de português, aos poucos fui aprendendo e passo a passo a adaptação foi bem-sucedida”.
Kengerly encontrou apoio na escola. “Fui bem recebida por bons colegas na escola que ficaram felizes em dividir a sala de aula com uma estrangeira que falava espanhol. Eles me ensinaram a falar cada palavra, eles foram muito prestativos”, relata.
Foi por acaso que o atletismo entrou em sua vida. “Um dia meus pais me levaram ao parque Ayrton Senna para conhecer o parque. Quando cheguei, achei aquela pista de corrida muito bonita. Minha mãe me disse para ir correr naquela pista.” Correndo ao lado do primo Enzo, ela foi observada por Douglas Armori, professor de atletismo que a convidou para treinar. “Foi assim que começou meu amor e interesse pelo atletismo.”
Desde então, a jovem encontrou nas pistas e nas competições um espaço de crescimento e socialização. “O esporte ajudou muito, porque foi uma forma de aprender e conhecer mais pessoas. Em cada competição conheci mais atletas da minha idade e também de idades mais avançadas, e atletas de outros estados. Aos poucos, comecei a me sentir em casa.”
Sua principal modalidade é o lançamento de dardo, prova em que se destacou nacionalmente. Kengerly representou Mato Grosso do Sul nos Jogos Escolares Brasileiros (JEB’s) de 2024 e conquistou a medalha de prata. “O melhor resultado foi o 2º lugar no lançamento de dardos”, recorda.
A jovem também participa de outras modalidades, como vôlei de quadra e vôlei de areia, que integram sua rotina semanal. “Vou da segunda à sexta às 11 da manhã para a escola e saio às 5 da tarde. Às segundas, quartas e sextas, das 7h30 às 9h30, treino atletismo no parque Ayrton Senna. Nos outros dias, depois de sair da escola, treino vôlei de areia e quadrado. Fins de semana são para as atividades escolares.”
O apoio da família tem sido essencial nesse processo. “Primeiro eu tenho meu pai, eu sempre observava ele treinar voleibol e treino físico. Nós fazíamos corridas todos os dias como treinamento, e isso me motivou a ser um atleta como ele.” Além dele, Kengerly reconhece a importância do técnico Douglas: “Ele sempre me motiva com conselhos, paciência e dedicação, me orientando a não desistir e encarar cada desafio que vejo em uma competição.”
A trajetória até aqui não foi simples. “A adaptação foi o maior desafio, em tudo, tanto na vida cotidiana quanto em cada treino e competição.” Mas os resultados mostram que o esforço tem rendido frutos.
Com os olhos voltados para o futuro, a atleta tem um objetivo claro. “Meu sonho é poder representar o Brasil, seria muito bom.” O desejo de competir internacionalmente não apaga a memória da origem, mas mostra o desejo de pertencimento e construção de um novo lar por meio do esporte.
A vivência de Kengerly como jovem refugiada e atleta a torna referência para outros jovens que enfrentam dificuldades semelhantes. Quando perguntada sobre o que diria para outras crianças e adolescentes refugiados que desejam seguir no esporte, ela responde: “Não desista, não importa o quanto tenha saudade de tudo o que você deixou em seu país, tem que continuar. Não abandone seus sonhos. Vai ter dias difíceis, mas vai ter recompensa por todo sacrifício e dedicação que você faz com amor ao esporte.”