Campo Grande (MS) - A passos lépidos e com o molho de chaves na mão, seu Alberto sobe e desce as rampas e escadarias do Morenão para cumprir um ritual: destrancar os portões do principal estádio de Mato Grosso do Sul. Tarefa repetida incontáveis vezes ao longo de 17 anos, entre 1979 e 1996, período em que Alberto Pontes Filho foi responsável pela liberação do acesso dos torcedores. Hoje, aos 60 anos, o funcionário público não precisa mais percorrer os 32 portões do estádio antes e depois de cada jogo - apenas quando o porteiro titular está de férias.
- Hoje em dia não se fazem estádios com tantos portões assim - observa Alberto, o 'guardião' do Morenão.
Na ausência do colega, Alberto voltou à portaria durante alguns jogos da temporada atual do Campeonato Sul-Mato-Grossense. Atualmente, ele é chefe da Divisão de Conservação e Urbanismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), instituição que administra o estádio. A sala em que trabalha, debaixo do portão 19, conserva relíquias de uma época em que o futebol sul-mato-grossense atraía multidões, como o pôster do esquadrão do Comercial-MS de 1975, emoldurado pela torcida lotando as arquibancadas do Morenão.
- Naquela época, o estádio recebia entre 10 e 15 mil pagantes por jogo, principalmente quando jogavam Operário-MS ou Comercial-MS. A rivalidade era muito grande, assim como é hoje entre os times de São Paulo, por exemplo. O fato de nossos times disputarem a divisão principal do Campeonato Brasileiro também ajudava bastante a atrair o público.
O item mais valioso do acervo histórico do estádio, e que está confiado à guarda de Alberto, é um livro de capa preta e páginas amareladas onde estão gravados os registros de todos os jogos disputados no Morenão desde 1973, dois anos após a inauguração. Os primeiros confrontos datam de 27 de janeiro, entre Operário-MS e Olimpia-PAR, e 4 de fevereiro, entre Comercial-MS e Estudiantes-ARG. Público, renda, placar, campeonato e data são algumas das informações que podem ser rapidamente obtidas ao se consultar a lista de atividades do estádio. Futuramente, os dados de 40 anos de história serão passados ao computador. O projeto já está em andamento.
Há uma história da qual poucos se lembram, mas seu Alberto faz questão de rememorar. Em 1972, Campo Grande recebeu três partidas da 1ª fase do Torneio Independência do Brasil, mais conhecido como Minicopa. O certame, vencido pela Seleção Brasileira, reuniu outros 20 países, além dos combinados da Confederação Africana e da Concacaf, e as partidas foram disputadas em 12 sedes nas cinco regiões do país. No campo do Morenão, o Paraguai bateu a Venezuela e o Peru, e a Iugoslávia empatou com a Bolívia.
Quando todos se voltarem a favor do futebol, o desenvolvimento será um caminho sem volta"
Este ano, o Morenão voltou a receber jogos da elite do futebol sul-mato-grossense depois de seis meses fechado para a reforma do gramado. Cene, Comercial-MS, Corumbaense e Novoperário já mandaram jogos nesta temporada. A partida com maior público após a reabertura teve 2.075 torcedores. Irrisório, se comparado ao recorde absoluto: 38.122 pagantes para assistir a Operário-MS e Palmeiras, pelo Campeonato Brasileiro de 1977. Mas o passado repleto de jogos importantes e a paixão latente no coração do torcedor faz seu Alberto sonhar em ver as arquibancadas lotadas novamente.
- Nós temos bons jogadores, nosso futebol é um celeiro de grandes atletas. Antigamente tinha fila de ônibus com torcedores em volta do estádio. Hoje a cidade cresceu muito e os bairros ficaram distantes do centro, onde fica o Morenão. Penso que é preciso fazer alguma coisa para que o torcedor retorne, como colocar linhas especiais de ônibus com destino final no estádio, ou baixar o preço do ingresso. Quando todos se voltarem a favor do futebol, o desenvolvimento será um caminho sem volta.