Porto Alegre (RS) - Em uma partida de futebol, nem sempre o jogo disputado dentro das quatro linhas é a atração principal. Durante os 90 minutos, muita coisa pode acontecer, dentro e fora de campo. Às vezes, algumas situações são tão fortes que extrapolam os limites do gramado e minimizam o espetáculo proporcionado pelos jogadores.
Foi o que aconteceu com o centroavante Vanderlei, do Caxias, no dia 24 de março, na partida contra o Novo Hamburgo, válida pela quarta rodada da Taça Piratini, segundo turno do Campeonato Gaúcho.
O camisa 9 foi o personagem principal da partida. Mas não por sua atuação. O artilheiro do clube da Serra no Gauchão foi vítima de racismo, segundo o árbitro do jogo, Jean Pierre de Lima. De acordo com o juiz em relato na súmula da partida, o jogador foi chamado de "macaco", "ostensiva e ininterruptamente" pelos torcedores do Novo Hamburgo. Como se não bastasse, ele ainda foi mordido por um cachorro da Brigada Militar (BM) durante uma confusão com a polícia no gramado.
Bastante chateado, Vanderlei conversou por telefone com o Globo Esporte nesta sexta-feira. O atacante, natural de Valença, no Rio de Janeiro, lamentou o episódio e preferiu colocar panos quentes sobre a polêmica.
Ah, cara. O que eu posso dizer? É lamentável uma torcida ter essa postura dentro de um estádio. Fiquei muito chateado quando percebi que os gritos eram para mim. A gente sabe que, às vezes, as pessoas misturam as coisas. Mas isso não pode acontecer. Racismo é crime - afirmou o jogador, com a voz fraca e tímida.
Questionado se irá tomar alguma providência sobre o caso, Vanderlei foi enfático.
Por mais que a gente nunca possa deixar um assunto desses passar em branco, eu não quero confusão com ninguém. Por enquanto, prefiro ficar na minha, tranquilo. Quero fazer o que eu sei de melhor, que é jogar futebol e fazer gols. Só espero que isso não se repita - explicou o atacante, dono de cinco gols no Gauchão.
Apesar da política de boa vizinhança estabelecida por Vanderlei, ele não deixou de comentar a mordida que levou do cachorro, na coxa esquerda. Após o gol do Novo Hamburgo, que havia sido anulado pela arbitragem e foi validado instantes depois, os jogadores do Caxias se envolveram em uma confusão, o que levou a Brigada Militar a entrar no gramado.
Algumas pessoas disseram que eu menti, que o cachorro não me mordeu. Mas eu trabalho sempre com a verdade e as imagens não mentem. Ainda dói um pouco. Na última partida eu joguei com uma proteção no local que ele me mordeu. Isso me prejudica um pouco ainda, mas vai passar - relatou.
Vanderlei atuava no Paulista, de Jundiaí-SP. Sem receber salários no interior de São Paulo e com saudade da família, o centroavante cogitou abandonar o futebol. Hoje, apesar dos pesares, é destaque da equipe do Caxias, foi campeão da Taça Piratini, e espera mais. Sempre mais.
Queremos a classificação, chegar nas finais e, quem sabe, ser campeão da Taça Farroupilha para não precisar de um outro confronto.
O diretor executivo do Novo Hamburgo, Maurício Andrade, classificou a atidude do árbitro Jean Pierre, que relatou o acontecido em súmula, como "uma grande inverdade".