Bate-Bola | Rosália Silva | 21/07/2004 19h49

Juliana Justino é destaque internacional no kung-fu

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Juliana Justino é destaque internacional no kung-fu

A campo-grandense Juliana Silva Justino, 21 anos, acaba de voltar dos Estados Unidos com uma medalha de ouro conquistada no Campeonato Pan-Americano de Kung-Fu, categoria sanshou (combate), até 65 quilos. Juliana foi a única de MS a integrar a delegação de 23 brasileiros que participaram da competição em Virgínia (EUA). No primeiro Pan que a sul-mato-grossense disputou ela foi bronze e no mundial chegou a vice. A atleta iniciou seu aprendizado no kung-fu quando ainda tinha dez anos, incentivada pela mãe. Esta semana, Juliana esteve na sede da Esporte Ágil, onde concedeu a seguinte entrevista:

Esporte Ágil - Por que você escolheu o kung-fu?
Juliana Justino - Não comecei por conhecer a modalidade. Eu não tinha noção do que era, só havia visto o filme do Bruce Lee na televisão, mas eu não conseguia identificar o que ele fazia e o que era. Foi por influência da família. Um irmão meu mais velho já treinava. Em casa somos em quatro filhos e sou a caçula. Então, meu irmão Jader que já treinava e minha mãe me convidou para treinar junto ele. Resolvi aceitar, pois eu não estava fazendo nada na época e a minha mãe incentiva a pratica de atividade física, o quanto é importante na vida de uma pessoa. Assim fui descobrindo o meu dom, fui me dando bem e logo depois de três meses já comecei a competir entre academias, campeonatos internos, me destacando e estou até hoje.

Esporte Ágil - E seu irmão continua competindo?
Juliana Justino - Ele continua praticando, competindo não. A gente começou a competir juntos, até viajamos para alguns estados, campeonatos interestaduais. Mas depois ele descobriu que o negócio dele não é competir, e sim treinar porque gosta, pois é bom para a saúde e também pela parte técnica. Ele é uma pessoa muito técnica e me ajuda muito. Ele continua treinando para continuar me acompanhando, avaliando meu desempenho e assim poder me ajudar.

Esporte Ágil - E além de seu irmão tem mais pessoas da sua família que praticam esportes?
Juliana Justino - Minha mãe, ela pratica taishi e o kung-fu tradicional. Minhas duas irmãs mais velhas já treinaram. Teve uma época que os cinco iam juntos para a academia, mas elas começaram a trabalhar e não puderam continuar devido aos horários. Agora somente eu, meu irmão e minha mãe praticamos. Minha mãe treina realmente porque gosta.

Esporte Ágil - Qual é a sua rotina de treinos?
Juliana Justino - Este ano esta sendo bem corrido para mim, pois eu me formo em Educação Física e agora eu aceitei dar aulas de kung-fu em uma academia de artes marciais e em uma escola para crianças. E neste momento está bem divido o meu tempo, está bem corrido, assim eu mesma faço meu horários. Quando pego para treinar fico umas duas horas por dia, pelo menos. Meu irmão me ajuda a treinar, porque eu não estou tendo tempo de participar dos treinos diários da academia durante a semana. Então a maioria das vezes é nos finais de semana que posso treinar. E também os treinos da Seleção Brasileira, todo ano tem a programação de um principal evento que você estará convidado a participar. Neste ano o objetivo foi o Pan-Americano, que aconteceu há duas semanas. No mês antes do campeonato a Seleção se reúne em Campinas, Estado de São Paulo, para treinar. Então além dos treinos da Seleção eu faço os meus treinos aqui, só que individual. E fora do horário da academia eu treino em casa.

Esporte Ágil - E o seu Trabalho de Conclusão de Curso é relacionado a modalidade que você pratica?
Juliana Justino - Estou cursando último semestre de Educação Física, na UCDB, e o meu trabalho final de curso é em relação a prática feminina no Kung-Fu aqui em Campo Grande. Para não ficar muito grande, vou pegar somente três academias no mesmo estilo para poder saber qual é a visão das pessoas envolvidas, da família e dos demais que estão em volta destas mulheres praticantes de Kung-Fu. Saber se há este preconceito de uma mulher praticando uma Arte Marcial, se as pessoas acham que é algo legal, quais são os benefícios para estas praticantes.

Esporte Ágil - E o seu trabalho te ajuda a manter a faculdade, em suas atividades esportivas?
Juliana Justino - Eu comecei a dar aulas de kung-ku por uma experiência pessoal. Estou levando a minha experiência como atleta, estes doze anos de prática de kung-fu para passar a meus alunos. Eu não quero que fique somente para mim essa experiência toda que estou conquistando, quero compatilhar, passar este conhecimento para que o kung-fu no Estado, na cidade e possivelmente no Brasil, possa crescer. Isso me força a estar bem atualizada. Todos os cursos que tem no Brasil, quanto trazem técnicos de fora, sobre Kung-Fu, eu sempre procuro fazer. Nestes intercâmbios das academias que estão os principais professores aqui de Campo Grande, a Confederação Brasileira, todos estes contatos só trazem benefícios para mim, e me forçam a estar atualizada.

Esporte Ágil - Você esta terminando agora a faculdade e quais são os seus planos? Como atleta é possível se manter?
Juliana Justino - A minha mãe sempre incentivou ter além da pratica de atividade física, ter os estudos, então cresci com esta consciência, de que teria que me formar, e mesmo com o nível superior não deveria ficar somente por aí, este não é um fim, e sim, um começo. E a questão de ser atleta é meio complicado, não só aqui no Estado, como no País todo. No Brasil o atleta é pouco valorizado, até na questão financeira. Se eu fosse viver como atleta seria difícil, pois até hoje eu não tenho tido patrocínio mesmo. Eu tenho apoio, principalmente do governo, que tem patrocinado os principais campeonatos. E até agora eu não tive patrocínio, assim fica meio complicado viver só disso, eu pratico por amor. Ainda mais que o kung-fu não é esporte olímpico, mas se Deus quiser em 2008, pelo fato das Olimpíadas serem na China e o kung-fu ser um esporte chinês, é uma grande chance. Então, enquanto ele não é olímpico não é muito valorizado, isso dificulta bastante no campeonato. Pratico por amor, não ganho nada por isso, mas muitas das minhas realizações devo ao kung-ku.

Esporte Ágil - E tem alguma competição já marcada para este segundo semestre?
Juliana Justino - Agora, mês que vem, terá aqui em Campo Grande o Inter-Estadual, um campeonato que todo ano a nossa Federação procura estar fazendo. É um nível muito bom, em que sempre vem atletas de vários estados. E ele vai servir de seletiva para o Brasileiro. Então em final de agosto, dia 28, terá o Campeonato Inter-estadual e vou estar competindo, e se conseguir passar nesta seletiva vou para o Brasileiro, que será em outubro, em Fortaleza (CE).

Esporte Ágil - Hoje, qual a situação da modalidade aqui no Estado? Tem muitos praticantes? Com você conquistando medalhas fora do País, isso ajuda a atrair novos praticantes?
Juliana Justino - Eu não sei se tem sido por minha causa, mas tenho servido de exemplo, é algo que até pesa para mim, mas é gratificante saber que as pessoas começaram a treinar, e elas me dizem isto, porque me viram na televisão. Principalmente mulheres, muitas tinham vontade mas não tinham coragem e agora desde que eu comecei a treinar e aparecer na mídia que o número de praticantes cresceu muito, e acho que isto é devido a divulgação. Pois antes não se falava sobre o esporte, e não havia muitas competições e também não era divulgado na televisão, e depois começou a surgir mais competições, e os atletas tiveram mais destaques em competições, e eu também comecei a me destacar entre competições nacionais e internacionais. Tudo isso ajuda, hoje se vê bastante o esporte, inclusive o número de praticante feminino esta quase igualado ao masculino.

Esporte Ágil - Quais os títulos que você já ganhou? E conte um pouco da história de cada título.
Juliana Justino - Vou falar somente da história dos principais, pois tem vários campeonatos, principalmente dentro do Brasil, que a gente participa para enriquecer mais o currículo e também como experiência. Mas eu considero muito importante o ano de 94, que foi quando comecei a me destacar, e comecei a aparecer bastante na mídia. Primeiro, fui para o Campeonato Sul-Americano, no Peru, e foi a primeira vez que viajei de avião, que saí do País, e também conheci o mar, e o mais importante, consegui trazer a medalha de ouro. Essa foi a primeira vez que fui convocada para a Seleção Brasileira. E o interessante, eu e mais um atleta da mesma academia éramos as únicas crianças da seleção, o restante eram todos adultos. Isso foi muito legal, pois mostrou que tínhamos um diferencial. Então consegui a medalha, fui campeã Sul-Americana, isso em março de 1994. No meio do ano, em agosto, fui para o Campeonato Internacional nos Estados Unidos, um campeonato que tem todos os anos, e também consegui trazer a medalha. Esse foi um ano com duas conquistas bem significativas. E depois em 96 fui para o campeonato Pan-Americano na Argentina e trouxe a medalha de prata. Em 97 fui para os Estados Unidos novamente, no Campeonato Internacional, e trouxe a medalha de ouro. E no ano seguinte, em 98, fui para o Campeonato Internacional e trouxe o ouro novamente. Então sou tricampeã Internacional nos Estados Unidos. No ano de 1999, teve aqui no Brasil o campeonato Sul-americano, e peguei a medalha de ouro. Neste ano também fui convocada para a Seleção que estou até hoje, e tenho conseguido manter esta minha vaga, pois isto não é algo definitivo, a cada ano, a cada campeonato você tem que conquistar a sua vaga. Então em 2000 fui convocada de novo para o Pan-Americano, que foi em Manaus aqui no Brasil, peguei a medalha de Bronze. Em 2001 foi minha grande realização, fui convocada para o Campeonato Mundial. Este é como se fosse as Olimpíadas, pelo fato da modalidade não ser olímpica, o Campeonato Mundial é o máximo que se pode chegar no kung-fu. Consegui trazer a medalha de prata. Logo depois passei a fazer parte da história do kung-fu no Brasil, foi minha primeira medalha na categoria kati, que são apresentações individuais, de movimento de ataque e defesa, imaginários, com arma ou sem armas: tem o bastão, lança, espada, e outros. E também tem as partes de lutas, que é o combate entre duas pessoas. Então participei em 2001 em Kati, e foi a primeira medalha que o Brasil conquistou, em toda a história que participou em mundiais, foi a minha, em kati. Em 2002 fui convocada para o Pan-Americano na Venezuela, mas não pude ir, porque não consegui patrocínio. Então participei do Brasileiro que foi em Brasília, e o conquistei também. Com isso participei de nove campeonatos brasileiros, então sou octa-campeã. No ano passado, 2003, mais uma convocação para o mundial, que foi na China. Nunca imaginei que conheceria a China um dia. Fui a primeira brasileira a participar da categoria combate, que foi incluído no ano passado o combate feminino em mundiais, até então só tinha a competição de kati. Combate é sanshou em chinês. Fui a primeira atleta a ser convocada na categoria combate e a trazer medalha, de segundo lugar. E esse ano, 2004, o Pan-Americano nos Estados Unidos, no Estado da Virginia, e trouxe a medalha de ouro. O Brasil teve um bom desempenho, desde a equipe de luta, combate e kati, todos trouxeram medalhas. Esse foi um ano muito bom e com bom resultado. Desde 2001 o Brasil se mantêm entre os quatros melhores do mundo na categoria combate. Isso comprova que o nível do Brasil está aumentando. E o técnico da Seleção Brasileira ainda falou que não é para ficarmos pensando que como sempre trazemos medalha seja porque o nível da competição está fraco, mas é que nós é que estamos evoluindo.

Esporte Ágil - Tem alguma atleta que você sempre disputa, que seja a sua adversária?
Juliana Justino - No kati sempre teve, inclusive uma menina que começou a competir depois de mim, a Paula de Brasília, no primeiro brasileiro que ela foi, em 95, chegou em mim e perguntou se eu era a Juliana Justino, pois ela já havia me visto no Esporte Espetacular em 94 quando voltei do Campeonato Internacional. Então, ela me disse que estava nervosa que seu objetivo sempre fui me superar. Depois nos campeonatos sempre eu ou ela ganhava, era sempre as duas, parecia que não tinha mais ninguém, mas tinha as outras meninas da minha categoria, mas sempre ficava aquela rivalidade. Então, no ano passado, passei para a luta, e surgiu uma menina daqui de Campo Grande e sempre fica aquela rivalidade, mas acho que agora ela não esta mais competindo na minha categoria. E isso é bom a gente saber que tem pessoas querendo chegar onde nós estamos, por isso elas treinam muito, e é sinal que o nosso trabalho está sendo valorizado pelas pessoas. Assim acabamos servindo como exemplo, um estímulo para os outros.

Esporte Ágil - E quando você viaja para competir, o que você pensa na hora da competição?
Juliana Justino - Sei que o meu maior rival é a minha cabeça, por isto tenho que trabalhar bastante, psicologicamente, para viajar, principalmente estas viagens longas com um currículo muito forte, como o Mundial e o Pan-Americano, ainda mais quando é fora do Brasil, a gente tem que ter a cabeça muito boa. Tudo influencia, desde o início, a preparação para ir, um treinamento intenso e depois a preocupação se vai ir ou não, se vai conseguir dinheiro para viajar. E depois que você vai, vem a saudade, da família, do namorado, você pensa que poderia estar em casa, mas está lá sozinha, então você pensa em tudo que está passando, o nervosismo, a pressão, a responsabilidade. Mas a partir do momento que a gente compete a gratificação é muito grande, então você pensa: "que bom que vim!" Ainda mais quando se conquista uma medalha, isso dá muito orgulho, você estar representando seu País, sua família, seu Estado, minha cidade, assim a vitória não foi só minha, mas de todos que estão ao redor.

Esporte Ágil - Qual a dica que você dá para quem está começando a treinar e quer competir?
Juliana Justino - Tem pessoas que praticam para competir e outras que praticam pela saúde, ou porque gosta, para se manter em movimento. Mas para as pessoas que querem começar a competir, primeiramente tem uma estrutura. Deve-se conhecer muito bem a academia, onde você esta treinando, se realmente é uma academia legal, filiada na Federação, conseqüentemente filiada na Confederação Brasileira. Existem muitas academias que são clandestinas, que acaba formando um atleta de forma errada, muitas vezes a pessoa que está ensinando, o faz de errado, e não tem uma estrutura para formar um atleta. Inclusive na questão da disciplina, e neste ponto você vê a diferença entre os atletas, muitos são indisciplinados. E que o iniciante se dedique bastante, quando você começa, pensa que já vai competir, mas não é assim do dia para a noite, tem muito treinamento, e se aprende muitas coisas no seu dia a dia, no seu lazer, na sua vida pessoal. É importante saber que isto será algo muito produtivo e proveitoso se você se dedicar. E saiba que o esporte vai exigir muito de você, mas se estiver fazendo algo que goste será muito benéfico, mas se estiver fazendo por algum outro motivo, pressão dos outros por exemplo, nada vai crescer para você. Deve-se praticar porque gosta e se dedicar, pois a vida de atleta não é fácil.

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